macroeconomia

Forward guidance para tios céticos

Entre técnica e narrativa, uma análise sobre juros, inflação e o papel da comunicação na eficácia da atuação do Banco Central
17 de novembro de 2025

Artigo escrito por Fabio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA*

Alguns tios-avôs envelhecem em silêncio, cultivando orquídeas ou lendo boletins paroquiais. O meu, não.

Tio Isaque atravessou a velhice com o mesmo olhar enviesado com que atravessava editoriais de economia e anúncios de calvície.

Ironista por vocação e crítico por esporte, cultivava um pince-nez como se fosse uma insígnia da República Velha — e o usava com o mesmo desdém com que falava dos juros.

Nessas ocasiões, eu, técnico por convicção e paciente por necessidade, era convocado a prestar contas de cada decisão do Banco Central como se fosse o próprio Copom em carne e osso.

Fabinho, agora estás contente, não? — perguntou Tio Isaque, ajeitando o pince-nez com o mesmo desdém com que, em outros tempos, lia editoriais de economia. — O Banco Central levou a Selic a 15% e vai espichar a indústria no varal, como camisa esquecida ao sol. Vai destruir o emprego e o pequeno lojista. És feliz com essa obra?

— Ao contrário, tio. Sempre defendi juros altos pensando nos mais pobres. Temos uma meta de inflação de 3%, que protege justamente aqueles que não têm acesso ao mercado financeiro para se defender da alta de preços.

Quando o Banco Central sobe os juros, ele provoca sim uma desaceleração — e algum desemprego no curto prazo —, mas com isso força a inflação a convergir para a meta. O custo é real, mas o benefício futuro é maior. A estabilidade de preços é um bem público, e os mais vulneráveis são os que mais se beneficiam.

Além disso, numa formulação simples — ou, como o senhor preferiria dizer, simplória — ou, acredito que o Banco Central deve cumprir seu mandato. E sem juros elevados, isso é impossível.

Está bem. Mas agora, Fabinho... estás contente? — disse ele, fazendo um muxoxo, girando o anel no dedo fino e deixando cair a pergunta como quem joga um lenço sujo pela janela.

— Só parcialmente. A elevação para 15% foi necessária. Mas o problema foi a omissão: o Banco Central não fez um forward guidance explícito.

Sem esse compromisso claro com o futuro, a política perde potência. A consequência, temo, será um corte prematuro de juros, antes que a inflação esteja realmente domada.

Ah, então era isso. — sorriu com a malícia de quem fareja pedantismo a léguas. — Tu querias mesmo era dizer forward guidance, para que este velho tivesse de perguntar. Pois bem: pergunto. O que vem a ser esse bicho?

— Política monetária não é só escolher a Selic, que é o juro de curtíssimo prazo — overnight . O essencial é comunicar o futuro.

Quem toma empréstimo ou investe pensa nos juros de 1 ou 2 anos, não de um único dia.

Apesar da Selic em 15%, os juros mais longos estão muito abaixo disso, porque o mercado não acredita que ela se manterá nesse patamar.

O forward guidance é uma forma de o Banco Central “amarrar as mãos”, dizendo: “só cortarei juros se alguma condição for satisfeita. Por exemplo, só se a inflação acumulada em 12 meses cair abaixo de 3,5%, ou se o desemprego passar de 8%, ou se as expectativas de longo prazo estiverem plenamente ancoradas”.

Quando o BC se compromete assim, o mercado ajusta os juros longos. E aí, sim, a política monetária ganha força — a inflação cai mais rápido, com menos custo real.

Muito bem, entendi. E no fim das contas, qual é teu palpite para o próximo Copom? Pára de dançar e diz logo. — disse ele, passando um lenço no rosto, como se a explicação tivesse sido uma jornada nos trópicos.

— Como não houve forward guidance, fico ainda mais convencido de que o BC vai cortar os juros antes da hora. Meu cenário é que ainda neste ano eles começam a reduzir a Selic.

A atividade econômica deve perder um pouco de força, os juros nos EUA vão cair, e o Banco Central vai usar isso como justificativa — mesmo sem a inflação estar controlada.

Isso é bom ou ruim? — perguntou, espiando-me por cima dos óculos, como quem vê um aluno que finalmente decora a tabuada, mas se esquece do lápis.

— Depende. Para o senhor, que é rentista, será bom: os juros não poderão cair muito e o rendimento real seguirá alto.

Para os mais necessitados, será ruim. Com inflação persistente, a renda real deles continuará corroída — e, diferente do senhor, eles não conseguem se proteger da inflação usando instrumentos do mercado financeiro.

Tio Isaque suspirou como quem lamenta pelo país, mas lamenta ainda mais pela falta de um bom conhaque.

Ah, Fabinho... no fundo, teu problema é achar que Excel consola barriga vazia.

*Artigo publicado originalmente no Pipeline

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