macroeconomia

A economia americana segundo Tio Isaque

Uma discussão transgeracional sobre a política econômica de Donald Trump
14 de novembro de 2025

Artigo escrito por Fabio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA*

Tio Isaque — uma vez meu tio-avô e atualmente meu personagem favorito do ChatGPT — estaria, como de hábito, reclamando da imprensa, acusando-a de injustiça ao tratar da política econômica de Donald Trump. Ele está na sala de estar, repousando em sua poltrona favorita, com uma xícara de chá.

Tio Isaque (erguendo o jornal, com um ajuste meticuloso no pince-nez):

Diga o que quiser, mas esse Trump fez a economia se mexer. Melhor que esses economistas de repartição, que falam latim e não produzem um centavo.

Eu: Respeitosamente, tio, permita-me discordar. O que parece firmeza, muitas vezes é apenas ruído. A lógica econômica de Trump, embora enérgica na forma, padece de equívocos conceituais — erros típicos de uma análise contábil aplicada a um sistema macroeconômico interdependente. Tomemos, por exemplo, sua política militar. Os EUA fornecem segurança ao mundo — à Europa, por exemplo — e Trump, ao perceber que o fardo é unilateral, quer abandoná-lo. Há um custo real em manter tropas, porta-aviões e vigilância constante. Nesse ponto, há razão. Mas, na economia, esse custo é ilusório.

Tio Isaque (cerrando os olhos, como quem fareja contradição no ar):

Por quê? Na economia, os EUA também estão sendo explorados.

Eu: Não, tio. A mesma lógica não se aplica. Trump vê com maus olhos o déficit comercial. Imagina que, porque os EUA consomem mais do que produzem, estão sendo enganados. Mas não estão. Os empregos industriais não cruzaram o Pacífico em navios chineses — foram dissolvidos nos EUA mesmo, pela automação e pela transformação estrutural da produtividade industrial. A mesma que extinguiu o lavrador transformou o operário em estatística. A indústria, como a lavoura, produz mais com menos. Deve, ao menos, adaptar-se. Fechar o comércio é atacar os sintomas e ignorar os determinantes tecnológicos da mudança. E tentar eliminar déficits com todos os países é uma quimera. Posso provar.

Quando o senhor trabalhava na fábrica têxtil, gerava superávit: recebia salário. No mercadinho da Dona Miriam, gastava — déficit. Segundo Trump, o senhor teria que vender bobinas de tecido em troca de pepinos em conserva. Um mundo em que cada transação se fecha em si mesmo é um mundo sem comércio. Produz-se o que se faz melhor e troca-se o resto, como fazem há séculos os mercadores prudentes, os artesãos, os lavradores. O erro está em ver a balança comercial como uma tabela de pontuação, quando se trata apenas do retrato parcial de um sistema muito mais intricado.

Trump não apenas se equivoca na teoria. As tarifas que propõe trarão recessão. Três choques a anunciam. O primeiro: antecipação. Sabendo que as tarifas virão, empresas e consumidores se apressam em comprar e investir. Parece bonança. É só antecipação.

Tio Isaque (com um meio sorriso, dedo levantado no ar):

Como quem estoca sardinha antes do reajuste.

Eu: O segundo é mais direto: as tarifas entram em vigor. Preços sobem. Cadeias produtivas se desorganizam. Importar torna-se caro, produzir fica difícil. O terceiro é o mais corrosivo: incerteza. Ninguém sabe o que será taxado. O empresário, diante do nevoeiro, adia tudo. O investimento congela. A produção recua. A atividade econômica entra em paralisia enquanto o grau de incerteza impede decisões intertemporais. É um problema conhecido como hold-up, e tem efeito quantitativo muito maior que os demais choques. Os níveis atuais de incerteza já bastam para empurrar a economia à recessão, mesmo que, ao fim, as tarifas nem sejam tão altas assim.

Tio Isaque (deixando a xícara no pires com um tilintar irônico):

Mas… será que isso tudo não acaba beneficiando o Brasil? Li isso num relatório de um economista muito melhor que você, Fabinho.

Eu: Um engano reconfortante. O Brasil sofrerá menos, é verdade — somos uma economia fechada, sem superávit relevante com os EUA. Mas, mesmo assim, numa recessão americana, sempre sangramos. O capital foge para onde se sente mais seguro, e volta para lá: os EUA. Nossa moeda se desvaloriza, os preços sobem, o crédito se encarece, o investimento privado é retraído. E, ainda assim, alguns dirão que fomos poupados. Não ganhamos nada. Perdemos apenas um pouco menos.

Tio Isaque (levantando-se com esforço contido, ajeitando o paletó e recolocando o pince-nez com dignidade):

Muito bem, muito bem… Já entendi. Um festival de modelos, gráficos e certezas. Talvez você tenha razão — talvez. Mas há algo que nem suas equações captam: o bom senso de um homem vivido. Além do mais, quem escuta economista novo demais acaba comprando pepino por dólar. Agora, se me dá licença, vou ler algo mais instrutivo — as cartas ao leitor do Jerusalém Post.

*Artigo publicado originalmente no Pipeline

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